Defensoria do Paraná vai à Justiça para que vestibular da Unicentro reserve 20% de suas vagas para cotistas raciais 27/03/2023 - 09:25

A Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro) é a única instituição pública de ensino superior do Paraná a não oferecer cotas raciais em seu vestibular de acordo com o percentual de pessoas negras (pretas e pardas) presentes na população dos municípios onde a instituição tem campi (Guarapuava, Irati, Chopinzinho, Pitanga, Prudentópolis e Coronel Vivida). Por isso, o Núcleo da Cidadania e Direitos Humanos (NUCIDH) da Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR) protocolou uma Ação Civil Pública (ACP) para cobrar, na Justiça, que a Unicentro se adeque ao que determina a legislação brasileira de reserva de cotas raciais no ensino superior. O NUCIDH solicita que sejam reservadas 20% das vagas disponíveis para esse grupo populacional, sem que haja prejuízo às vagas por cotas sociais, aquelas reservadas para estudantes oriundos do ensino público. A ACP tramita na 4ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba porque, na avaliação da Defensoria, há um dano de abrangência regional, que afeta estudantes de várias cidades do estado.

De acordo com a assessora jurídica do NUCIDH Débora Pradella, ao não estabelecer um percentual de cotas raciais proporcional ao tamanho da população negra nas cidades onde está presente, a universidade viola o ordenamento jurídico brasileiro, que prevê “o dever de implementação de políticas voltadas a garantir a plena igualdade entre os cidadãos”. A legislação brasileira vigente consolidou o entendimento de que as instituições públicas devem estabelecer cotas raciais para a população autodeclarada negra de forma proporcional ao percentual de pessoas negras registradas naquela localidade por meio do Censo Populacional realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 

“As políticas afirmativas hoje são plenamente reconhecidas pelo direito brasileiro como medidas de discriminação positiva, que é quando o Estado cria políticas públicas direcionadas a determinados grupos com a finalidade de reduzir desigualdades econômicas e sociais criadas ao longo da História. Além de amparada por tratados e pactos internacionais, as cotas raciais possuem respaldo constitucional. O Supremo Tribunal Federal já manifestou posição favorável às cotas raciais, entendendo que são medidas que efetivam o princípio da igualdade”, afirmou Pradella. 

Segundo ela, é muito importante ressaltar a Lei Federal nº 12.711/2012, que regulamenta as cotas raciais para ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio. “Essa lei estabelece que as cotas raciais nas instituições de ensino federal serão estipuladas de acordo com  a proporção respectiva de autodeclarados negros da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo do IBGE”, explicou. Também com base nela, o NUCIDH propôs, em Recomendação Administrativa à Unicentro, que o percentual de cotas estipulado pela universidade deveria considerar a proporção de pretos e pardos na localidade em que a universidade está instalada.

As consequências dessas violações impactam diretamente a população e a sociedade como um todo, já que as ações afirmativas, como as cotas raciais, além de serem consideradas medidas compensatórias históricas, têm um papel simbólico e contribuem para o pluralismo social e político da universidade e da comunidade. 

“O impacto é negativo em diversas esferas. Principalmente ao demonstrar a incapacidade do Poder Público -- nesse caso na sua esfera estadual -- de criar mecanismos de reparação para que essa parcela da população, que teve seus direitos historicamente negados nos mais de 350 anos de escravização, tenha garantido o direito à educação”, afirmou o defensor público e coordenador-auxiliar do NUCIDH, Daniel Alves Pereira.

Segundo ele, a ausência de cotas raciais impacta a função social da universidade. “Isso torna a universidade mais um espaço de manutenção e reprodução de desigualdades. Ambientes menos diversos racialmente também não proporcionam a oportunidade de contato com as diferenças, favorecendo a manutenção da discriminação racial. Sem acesso à universidade e a outras políticas públicas reparatórias, a população negra tem menos oportunidades de mobilidade social”, concluiu.

Procedimento 

Desde 2019, a Defensoria Pública, por meio do NUCIDH, atua via procedimento administrativo para que as universidades estaduais adotem cotas raciais. De acordo com o Núcleo, todas as universidades estaduais adotavam o sistema de cotas raciais, à exceção da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) e da Unicentro. A Unioeste acabou estabelecendo 20% de cota para negros(as) ou pardos(as) depois de recomendação expedida pela Defensoria. As outras universidades estaduais paranaenses -- Universidade Estadual de Londrina (UEL); Universidade Estadual de Maringá (UEM); Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG); Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP); e Universidade Estadual do Paraná (Unespar) -- já adotavam um sistema de cotas adequade a essa população.

Em outubro do ano passado, após receber recomendação da DPE-PR e ser oficiada reiteradamente pelo NUCIDH, a Unicentro estabeleceu uma porcentagem de 5% de cotas para negros e negras, o que não foi considerado um porcentual adequado pelo Núcleo. De acordo com Pereira, a instituição informou, durante todo o tempo de diálogo extrajudicial, que já reservava 20% de suas vagas para as cotas sociais e que, dentro deste percentual, negros(as) e pardos(as) eram contemplados(as). No entanto, a universidade nunca explicou qual foi a base científica que sustentou a escolha por estabelecer 5% de suas vagas para as cotas raciais.  

Para a Defensoria, as cotas sociais não conseguem alcançar um percentual de vagas que abranja proporcionalmente o número de pessoas negras e pardas nas cidades onde há campi da Unicentro. O argumento, lembrou Pradella, é que muitos candidatos e candidatas beneficiadas pela reserva de vagas sociais são oriundos(as) das melhores escolas públicas federais e estaduais. Segundo ela, uma decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes em um Recurso Especial reforça que o critério de vaga reservada para escola pública pode ser discriminatório porque é notório, em alguns estados, o esforço para que filhos e filhas de pessoas privilegiadas social e economicamente estudem nessas escolas públicas. 

Em uma das respostas enviadas à Defensoria pela Unicentro, em janeiro deste ano, a instituição revelou que o total de alunos(as) matriculados(as) na instituição era de 6.817 estudantes. Desse total, 564 se declararam negros(as), e 96 destes(as) ingressaram por cotas sociais. Isso significa que apenas 8,27% dos estudantes matriculados na Unicentro se autodeclaram negros, percentual muito inferior ao da população negra na região, segundo apurado pelo IBGE. Além disso, a universidade ainda mostrou que, do total de alunos negros matriculados, apenas 17% acessaram o ensino superior naquela insituição por meio de cotas sociais.

“Está evidente que as cotas sociais não conseguem alcançar a ação afirmativa para contemplar a população negra, e não conseguem promover maior diversidade étnico-racial”, comentou Pradella. Os dados do Censo Demográfico de 2010 - último censo realizado - indicam que em Guarapuava, por exemplo, a população negra correspondia a 29,11% da população total (26,1% parda e 3,01% preta).

Leia aqui a inicial da ACP proposta.