Com a palavra, a Defensoria: Entrevista com o defensor público do Tribunal do Júri de Curitiba Wisley Rodrigo dos Santos 28/07/2023 - 09:19

Aos 34 anos, Wisley Rodrigo dos Santos coordena a equipe da Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR) no Tribunal do Júri em Curitiba. Natural de Umuarama, o defensor público tem orgulho da sua origem na cidade do noroeste paranaense. Durante entrevista concedida no último dia 17 de julho, no famoso plenário do júri curitibano ao lado da Praça Nossa Senhora de Salette, no Centro Cívico, ressaltou sua preferência pelo interior do Paraná, mas reforçou a paixão pelo que faz. É pela atuação no Tribunal do Júri, símbolo da Justiça Criminal participativa no Brasil, que o defensor está na capital. “No dia que eu sair do júri, saio de Curitiba”, disse. 

A frase forte, no entanto, não significa que pensa em deixar logo a cidade grande. Longe disso. Santos conta que se dedica diariamente no desenvolvimento da função para obter melhores resultados para a Defensoria e para os usuários e usuárias da instituição. Apesar da grande cobrança sobre si mesmo, tem conseguido contornar a pressão que vive no dia a dia por meio do crossfit.

O exercício físico, no entanto, parece também dar forças ao defensor para lutar pelo que acredita dentro da atuação no tribunal do povo. Ele afirma não vender esperança. “O júri real, o júri do dia a dia, não é o de rede social. É um júri que condena muito, mas também absolve. Aqui não chegam só pessoas ricas, de casos que repercutem na mídia. A Defensoria leva uma defesa para a população mais pobre”, afirmou Santos. 

Duas fotos do defensor Wisley na sala onde ocorre o Júri

Confira a entrevista completa:

Como você chegou ao Direito? Já tinha esse plano durante sua adolescência ou foi algo ocasional? 

Wisley Rodrigo dos Santos: Foi algo ocasional. No ensino médio, eu tinha um grupinho de amigos. Alguns eram mais voltados para exatas, outros para humanas. Eu e um deles gostávamos mais de leitura, de conversar. Acabamos escolhendo o Direito. Mas o primeiro vestibular que fiz foi pra História. No meio daquele ano (2005), fiz para o curso de Direito. Acabei no Direito.

E onde você se formou?

Santos: Eu me formei na Universidade Estadual de Maringá no início de 2011.

O que aconteceu logo que você saiu da faculdade?

Santos: Sempre pensei em seguir a carreira acadêmica. Queria ser professor universitário, mas de universidade pública, na Universidade Estadual de Maringá (UEM). Eu resolvi fazer uma pós-graduação que tratava, basicamente, sobre uma corrente do Direito Penal que eu não seguia.

Nesse período, surgiu o concurso da Defensoria no Paraná. Nunca foi algo que eu quis. Eu tinha duas certezas: eu não queria ser juiz e nem promotor. Quando vi o concurso da Defensoria, decidi tentar.  

Foi uma carreira com que você se identificou automaticamente?

Santos: Eu me identifiquei. Eu acho que a carreira de defensor público é a mais democrática e a que mais vive diariamente os valores constitucionais. Então, vi que era aquilo que eu queria. Vou morrer aqui, vou me aposentar aqui.

O que você quer dizer com “viver diariamente os valores constitucionais” e como você, como defensor, vive esses valores?

Santos: O Direito é hierarquizado. A Justiça Estadual não é tão hierarquizada quanto a Justiça Federal. Mas dentro dessa hierarquia do Direito, entendo que a magistratura e o Ministério Público têm carreiras mais engessadas. A Defensoria é uma carreira mais aberta, sem contar que há mais pluralidade de cor, gênero e ideologia. Além disso, a Defensoria é uma instituição que convive diretamente com a vulnerabilidade econômica, jurídica e social. Preciso ressaltar que nós não temos o monopólio da pobreza, mas atendemos diretamente a população pobre. O que me levou à carreira da Defensoria é essa pluralidade de ideias, essa defesa dos hipossuficientes, dos vulneráveis. 

Você falou muito em pluralidade. Como você se identifica?

Santos: Eu me identifico como negro. E, curiosamente, hoje a equipe de defensores da Defensoria Pública no Tribunal do Júri em Curitiba é majoritariamente negra. O meu letramento racial não decorre da minha adolescência e nem da minha faculdade. O letramento aconteceu a partir do momento em que comecei a exercer a atividade funcional e passei a reparar pequenas coisas. Majoritariamente, os juízes, juízas, promotores e promotoras são brancos. É nítido que, no sistema de Justiça, os negros são minoria. Mas sempre me vi como pessoa negra. Isso é algo muito tranquilo pra mim.

Quero entender um pouco como foi sua história dentro da Defensoria. Qual foi a primeira cidade em que você atuou? 

Santos: Completo, neste ano, dez de Defensoria. Só passei por Paranaguá e Curitiba. Lá no Litoral, eu trabalhei na área Criminal e Infância, mas também passei por Família e Fazenda Pública. Em 2017, me transferi para Curitiba no Tribunal do Júri. Nunca tive pretensão de vir para Curitiba. Eu acabei vindo pra Curitiba porque abriu uma vaga no júri. No dia que eu sair do júri, saio de Curitiba. Não gosto da forma de trabalho da capital porque é tudo diferente comparado às cidades pequenas. 

O que você trouxe como experiência do trabalho em Paranaguá?

Santos: É diferente daqui. Em Curitiba, tive que reaprender a fazer júri. Em cidades menores, as pessoas são mais sentimentais. A pergunta é: quem matou? Então, você analisa o fato, a vítima e o acusado. Já em Curitiba um caso é mais uma morte. Aqui, vamos analisar o fato também, mas, infelizmente, é um caso entre vários. Em cidades menores, é possível fazer uma defesa mais humanizada.

Como você analisa a importância da instituição no Tribunal do Júri no Brasil, que recentemente completou 201 anos? 

Santos: A Defensoria Pública é importantíssima para o Tribunal do Júri, porque nós temos algumas frentes dentro do Tribunal do Júri. É muito comum a romantização do júri, mas nós estamos aqui todos os dias. O júri real, o júri do dia a dia, não é o de rede social. É um júri que condena muito, mas também absolve. Aqui não chegam só pessoas ricas, de casos que repercutem na mídia. A Defensoria leva uma defesa para esse grupo de população mais pobre, seja na defesa do acusado, seja agora na defesa de uma mulher vítima de tentativa de feminicídio.

Mas qual a diferença de um advogado e de um defensor ou defensora no júri? 

Santos: Está na Constituição. Existe a defesa pública e a defesa privada. São formas diferentes de fazer. Posso falar de como é aqui na Defensoria. Pegamos o processo e analisamos e estimamos o que vem pela frente, o possível resultado. Estamos todos os dias aqui e, por isso também, não forçamos a tese. Nós trabalhamos em uma defesa pautada pela credibilidade. E é um trabalho realista. Acredito na redução de danos. Tem processos que você já pode vislumbrar a absolvição e há processos que você já prevê a condenação e, por isso, busca a pena mais adequada. A Defensoria e a acusação estudam o mesmo processo, mas sob perspectivas diferentes. Nem sempre aquilo que o promotor está pedindo é o que entendemos ser o justo. Trabalhamos também com uma redução de danos.

Como você trabalha essa perspectiva para o usuário da Defensoria? 

Santos: É importante dizer que o júri condena tanto quanto o juiz togado. Só quem vem aqui todo dia vê isso. Então, para mim, a redução de danos é um elemento importante na análise de cada caso. Você sabe se tem chance de absolvição, se a prova está boa para condenar, se não está, se a pena vai ser alta. Mas cada um tem um estilo de trabalho. Eu tenho o meu. Explico todo o processo para o assistido. Aqui nós garantimos cinco atendimentos mínimos para quem está preso: antes da defesa inicial, antes da audiência, antes da indicação de testemunhas, antes do júri e no júri. Réu solto é atendido a todo momento. Rola um grau de sinceridade muito grande. Eu não engano ninguém. Nós trabalhamos com a prova do processo. Eu não quero saber se foi ele ou deixou de ser ele. Não pergunto. Não gosto que me conte, também. A gente explica todas as provas do processo e, por meio delas, vai esclarecendo, analisando o que é o melhor para o réu. Eu não vendo esperança.

Na sua opinião, a qualidade de atuação pode ser aferida pelos resultados do júri?

Santos: Não, porque, se você for medir o seu trabalho pela absolvição, você vai cair em frustração. A absolvição não é a realidade em razão da cultura punitivista da sociedade. 

Mas, então, chegamos em outro ponto. Derrubar uma qualificadora, por exemplo, é uma vitória para uma defesa, ainda que haja condenação?

Santos: Nem sempre. Mas, no final do julgamento, você acaba ganhando ponto com a família. Duas semanas antes do júri, é aquela pressão da família. E aí, depois do julgamento, eles veem que deu relativamente certo e agradecem. 

Qual foi o caso mais complicado que você já pegou? 

Santos: Foi um caso em que o assistido estava devendo para um cara. A vítima foi em um açougue e falou na frente de todo mundo que o assistido estava devendo. Um primo do usuário da Defensoria contou para ele que, armado, foi tomar satisfação com a vítima. Ao atirar, deixou uma criança tetraplégica, atingiu um lutador e atingiu a vítima. No dia do júri, o promotor do caso levou a criança ao julgamento. Foi o pior júri que eu fiz.

Vamos mudar um pouco o rumo da entrevista e falar sobre sua vida pessoal. É casado?

Santos: Sim, sou casado há cinco anos. 

O que você curte fazer fora do trabalho?

Santos: Gosto de praticar crossfit. Quando começou a pandemia, o júri aqui parou. Não dava pra fazer online. Era o único lugar que não dava pra ser online. Então, em 2020, a gente ficou de março a setembro sem fazer júri, só trabalhando com os processos. Quando voltamos a fazer o júri, estava ficando muito cansado, estava com sobrepeso. Acabei entrando no crossfit. Foi uma forma de contornar a pressão do júri.

Você já fazia exercício antes do crossfit?

Santos: Eu nunca fiz exercício na vida.

E foi direto para o crossfit?

Santos: Fui, porque eu não gosto de musculação, não gosto de academia. Agora, eu faço crossfit e venho calmo trabalhar. A pressão no trabalho é grande. O meu final de semana já ficava pesado, meu mês já ficava pesado, quando eu tinha que fazer júri. Hoje não. Eu não tenho mais essa pressão e essa ansiedade. Claro que em um processo ou outro, você fica um pouco mais preocupado. É algo natural. Aqui também trabalha um promotor, o Marcelo Balzer, que é triatleta. É uma forma de você diminuir um pouco a pressão.

O que você gosta de ler?

Santos: Eu leio de tudo. De reportagem, de fofoca, de novela,  poesia, literatura nacional, contos populares.

Qual foi o último livro que você leu?

Santos: Eu estou lendo agora um livro de contos populares – Contos tradicionais do Brasil, do Luis Câmara Cascudo -  para tentar aprender a contar as histórias também aqui no júri.

Você sempre leva o que você está lendo para o júri?

Santos: Sim, tudo que leio é pensando em como usar no júri. A leitura me relaxa, mas também faço pensando em como posso melhorar meu trabalho.

Qual tipo de música você curte?

Santos: Música Popular Brasileira (MPB) e sertanejo, né? Eu sou da grande Umuarama.

É verdade que você pretende fazer doutorado relacionado ao jornalismo?

Santos: Hoje eu estou no mestrado em Antropologia. Mas quero fazer doutorado em Comunicação por causa do trabalho. Quero adequar a linguagem e abandonar aqueles modismos jurídicos para poder ter resultados melhores. Por isso, também, que eu fui para a Antropologia. E não por questão de ideologia no sentido político. O importante é o resultado. Para conseguir o resultado, vale quase tudo, menos discurso de ódio e crime contra a honra. O assistido não quer saber se eu sou de direita ou de esquerda, quer o melhor para ele. Então, a gente tem que sair um pouco do Direito.

Como você vê o uso da mídia pelos tribunos? 

Santos: Você falou tribuno. Eu não concordo com a interpretação que se dá a essa palavra no contexto do júri. O tribuno remete àquela ideia do júri romantizado. Essa palavra, usada dessa forma, parte da ideia que alguns nasceram tribunos e outros não, que uns podem fazer júri e outros, não. Eu entendo que é possível aprender a trabalhar em júri, todo mundo aprende. É claro que alguns têm uma facilidade na comunicação, mas você também pode ter uma facilidade na escrita e aperfeiçoar. Todo mundo pode fazer júri, desde que se capacite. Sobre a mídia, prefiro não entrar no mérito. Eu prefiro meu silêncio. 

Para você, como defensor que atua no júri, vale tudo na plenitude da defesa?

Santos: Eu não diria vale tudo, mas vale qualquer argumentação, desde que não incida no discurso de ódio e crime contra a honra. 

Sabemos a luta da Defensoria há muitos anos para estar ao lado do juiz, assim como o Ministério Público, durante as sessões de julgamento do Tribunal do Júri. Qual sua posição?

Santos: Do ponto de vista da instituição, eu entendo que a Defensoria tem que estar ao lado do juiz, porque é uma prerrogativa institucional. 

Você acha que para trabalhar no júri precisa ter um preparo emocional diferente?

Santos: Sim, tem. Eu só contei do crossfit antes, mas tem um outro lado. A pressão é muito grande. Aqui é o único lugar que você passa nove, dez horas com o réu ao seu lado e você ainda recebe a sentença com ele. Aqui no júri você escuta o juiz falar o tempo de prisão e o réu está ali. Você já tem que estar preparado para explicar se vai recorrer, se não vai. Tem um contato muito próximo com o preso, com a família que está assistindo. Hoje há transmissão no YouTube do julgamento. Fui desenvolvendo uma ansiedade forte. O falar era mais tranquilo, mas a preparação, estudo, vai dar certo, não vai dar certo, achar tese, não achar tese, esse era um combo complicado. Eu já começava a sofrer 15 dias antes do julgamento. Foi quando fiz seis meses de terapia para falar sobre júri. Minha ansiedade baixou e eu achei o crossfit.