Com a palavra, a Defensoria: Entrevista com o Psicólogo Luã Carlos Valle Dantas 25/08/2023 - 10:51

Orgulhoso de ser paranaense, o psicólogo e servidor público da Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR) Luã Carlos Valle Dantas, 32 anos, encontrou na profissão e na instituição a possibilidade de servir ao povo de seu estado, contribuindo para mais justiça social. 

Ele é natural do município de Ibaiti, na região norte do Paraná. Já morou no interior de São Paulo e trabalhou na sede da DPE-PR em São José dos Pinhais (região metropolitana de Curitiba) até chegar a Cornélio Procópio, onde está lotado hoje – a pouco mais de 100 quilômetros de sua terra natal. Lá, ele integra a equipe técnica do Centro de Atendimento Multidisciplinar (CAM) da DPE-PR, serviço que permite um atendimento técnico e humanizado aos usuários e às usuárias da instituição e fortalece a atuação jurídica dos(as) defensores(as) e assessores(as) jurídicos(as).

A paixão de Luã pela psicologia aconteceu aos poucos, assim como a sua relação com a Defensoria, onde sua jornada se iniciou no primeiro concurso para servidores e servidoras da instituição. O ibaitiense declara que, por meio de sua atuação na Defensoria, encontrou um sentido em sua vida profissional e pessoal: servir aos usuários e usuárias que todos os dias adentram nossas portas na esperança de serem ouvidos, informados e auxiliados a protagonizarem sua própria História. 

Em comemoração ao Dia do Psicólogo, comemorado neste domingo, dia 27 de agosto, Luã Dantas é o entrevistado do projeto Com a Palavra, a Defensoria deste mês. Com muito afeto e brilho nos olhos, em uma entrevista por meio de videoconferência com a Assessoria de Comunicação (ASCOM) da DPE-PR, ele nos contou sobre a importância da atuação dos psicólogos e das psicólogas da nossa instituição para possibilitar um acesso qualificado e efetivos à justiça.

Imagem que mostra o psicólogo Luã em três momentos: em um atendimento individual, em uma palestra, e trabalhando em sua mesa na DPE-PR.

A gente queria que você começasse contando um pouco da sua infância e juventude. Onde você nasceu, onde morou, como é a sua família, o que você gostava de estudar...

Eu sou natural de Ibaiti, norte pioneiro do Paraná. A família do meu pai é de produtores de café, pequenos agricultores. A família da minha avó também é de agricultores, mas meus tios, minhas tias e boa parte da minha família trabalham no comércio. Eu morei na zona rural até os dez anos de idade. Meu primeiro ano escolar foi em uma escola rural, e minha mãe tinha magistério, então, minha primeira professora foi a minha mãe. 

Na zona rural não tinha pré-escola, então eu fui alfabetizado em casa. Depois, fui para o ensino formal com oito para nove anos, na cidade. Mas eu sempre gostei de estudar, e eu estudei só em escolas estaduais e municipais. Só a faculdade que eu fiz em uma universidade privada.

Eu morei em Ibaiti até meus 17 anos. A minha família Vale é bem numerosa e nenhum dos meus avós é paranaense, são todos paulistas e um fluminense. São famílias que vieram para formar o norte aqui, para poder formar cidades. São as primeiras famílias de Ibaiti. Mas eu, meu pai e minha mãe somos paranaenses, eu sou a segunda geração paranaense com muito orgulho. 

 

E como você escolheu a Psicologia? Onde você estudou e quais foram as suas impressões sobre o curso? Você já tinha esse interesse no ensino médio ou foi algo que aconteceu por acaso?

Eu tenho uma prima que já tinha tentado alguns outros cursos e estava meio sem saber o que fazer, e ela falou: “Eu vou para Marília prestar o vestibular de inverno para Odontologia”. Eu estava no terceiro colegial e falei “Acho que eu vou, também”. Conversei com um amigo, comecei a olhar a lista de cursos do vestibular. Para vocês terem uma ideia, a minha primeira escolha foi Psicologia, mas a segunda foi Farmácia e a terceira foi Jornalismo. 

Eu fui um adolescente que gostava muito de ler, eu lia muito. Fui parar na Psicologia porque um dia eu estava lendo e achei algumas coisas interessantes na biblioteca do Colégio Estadual Aldo Dallago, onde eu estudei – não me recordo qual era a obra, mas fazia alguma referência à Psicologia. Comecei a procurar na internet e lembro também de ter visto o filme “O Sexto Sentido”, em que o médico do filme é um psicoterapeuta também – é como se fosse, porque lá nos Estados Unidos a formação é diferente. 

Eu passei no vestibular na Universidade de Marília (UNIMAR), que é privada, mas eu tinha que voltar para Ibaiti. Era final de ano, o movimento da loja dos meus pais estava grande, foi um ano em que vendemos muito bem, e eu era ajudante. Por isso, não fiz ENEM e nem outro vestibular, porque, ao auxiliar meus pais, me distraí desse objetivo. Mas a minha mãe sempre enfatizou que eu deveria estudar. Quando começou o ano seguinte, minha prima estava para se mudar para Marília. Minha mãe falou para mim “Vai também”. E eu fiquei preocupado, porque seria caro, mas ela disse “Vai estudando. Começa lá, depois a gente vê o que a gente faz”. Sempre com uma forma muito prática de resolver as coisas.

Durante meu primeiro ano eu adorava anatomia, mas eu não sabia muito de Psicologia – no primeiro ano o curso é muito introdutório. Mas eu sabia que queria lidar com as pessoas. Como eu trabalhei em comércio com os meus pais, eu sempre gostei de falar com as pessoas, de ouvir e contar histórias. Essa coisa da gente lá no interior, você está tomando um cafezinho lá na lojinha, chega alguém e fala ‘Nossa, você não sabe o que aconteceu em tal bairro!’, e a pessoa vai lá e conta uma história pra você.

No meio do curso, eu passei em um processo seletivo para trabalhar como estagiário na Penitenciária Estadual de Marília. E eu acho que ali eu já estava construindo esse caminho [rumo à Defensoria]. Mas tive a certeza de que a Psicologia era a minha área quando comecei a clínica na faculdade, no último ano. A partir do momento em que eu fiz o meu primeiro atendimento, eu pensei “Ufa! Era isso”. Porque ser paciente é uma coisa, ser psicólogo é outra. São dois pontos de vista do mesmo fenômeno, mas eu fui ao primeiro atendimento muito preocupado e deu tudo certo. Quando eu comecei a clinicar, vi que era muito legal e que é isso que eu quero acordar e fazer.

 

E como foi o início da sua trajetória na Defensoria Pública?

Eu comecei na Defensoria sem saber muito sobre a instituição, lá em São José dos Pinhais – que, inclusive, é uma sede maravilhosa. Eu tive que estudar muito porque eu não conhecia muito sobre a Defensoria e também não sabia muito sobre o Direito. Na verdade, a Filosofia do Direito eu já tinha estudado, mas não tem muito a ver com a prática do Direito. Quando entrei na Defensoria, eu tive que pesquisar e estudar muito sobre a legislação, para compreender a lei. 

[O trabalho na sede de] São José dos Pinhais foi uma escola para mim. Lá eu tive contato com bons defensores, bons servidores, e estava em uma cidade grande. Passados mais ou menos dez ou onze meses, eu vim para Cornélio Procópio para começar uma sede nova. E, ao longo do tempo, eu fui criando uma forma de trabalhar, e essa forma de trabalhar foi sendo construída pelas equipes técnicas, também.Nós temos um diálogo muito forte e nos ajudamos.

Estou em Cornélio há sete anos. O tempo foi passando, eu fui construindo a minha carreira e hoje, para quem não gostava da área jurídica, é o meu ganha-pão, e a minha vida gira em torno disso. Também sou professor do ensino superior, coordeno o curso de Psicologia da Faculdade Cristo Rei e leciono Psicologia Jurídica.

 

Como foi para você essa experiência de começar a trabalhar com a população em situação de vulnerabilidade social? Não era uma realidade dos seus estudos ou de experiência de vida, certo?

Sim, o pouco que eu conhecia dessa realidade foi de quando eu trabalhei na penitenciária, mas lá eu usava um conhecimento muito específico. Quando comecei a trabalhar em São José dos Pinhais, eu percebi algumas realidades que, de fato, estavam um tanto distantes da minha vida, porque eu era estudante e pesquisador e só convivia com estudantes e pesquisadores. Na Defensoria, a gente tem contato com o dia a dia do trabalhador, do nosso usuário. São pessoas que estão, muitas vezes, tentando resolver um problema que é muito impactante na vida delas. 

Para mim, em um primeiro momento, a parte que mais me deu um certo choque de realidade foi a área da Infância e Juventude. Nessa área a gente acaba tendo contato com uma realidade bastante dura. Porém, boa parte da minha atuação é na área de Família, onde eu faço mediação. E eu acho que o interessante do começo da minha atividade lá em São José dos Pinhais é que eu pude começar nas mediações e conciliações e, com isso, entendi mais as dinâmicas. 

Foi lá que comecei a ter mais contato com a questão da violência doméstica, também. Percebi que a quantidade de casos é muito maior do que pensamos. Hoje, inclusive, o tema da minha pesquisa de doutorado é o raciocínio moral dos autores de violência doméstica. 

Conforme descobrimos algumas coisas, reconstruímos a nossa visão de mundo e passamos a perceber a realidade de mais formas. Por isso, quando eu cheguei aqui em Cornélio, eu consegui propor para os defensores, promotores e para o juiz a criação do projeto Reeducar, um grupo voltado para autores de violência doméstica, que tem como intuito combater a reincidência na violência doméstica. Hoje, sou o coordenador, facilitador e realizador do grupo, que tem parceria com o Tribunal de Justiça e Ministério Público. 

Eu acredito que a informação salva, que é a educação que vai salvar o mundo. Quando alguém vem até a Defensoria e aprende sobre seus direitos, ela sai renovada, sabendo, inclusive, se defender. 

 

Vamos retomar uma questão: você falou que saiu da graduação apaixonado e envolvido com a psicologia clínica. Existe diferença entre a atuação na psicologia clínica e a atuação na Defensoria? Fatores econômicos e sociais interferem no atendimento da Defensoria ou têm o mesmo peso que no atendimento na clínica?

A clínica é o cerne da Psicologia. Os atendimentos são individualizados, voltados especificamente para aquele cliente, é um processo bem consistente e personalizado. O paciente te procura, você planeja o atendimento dele e toda semana vocês vão avançando naquele planejamento e aquilo tem uma consistência da qual nós obtemos resultados maravilhosos. 

A atuação na Defensoria ocorre de forma diferente, porque pode ser que aquela única vez que aquela pessoa está na minha frente seja a única chance que eu tenha de atendê-la, de conversar com ela, ouvir sua história e fazer o encaminhamento. Nós fazemos uma escuta qualificada da pessoa, mas aquela questão está dentro de um processo. Nossa demanda não é como na clínica, espontânea, em que a pessoa vem porque um médico encaminhou ou por decisão própria. Uma pessoa está na Defensoria porque está envolvida em um processo ou porque algum direito dela não está sendo garantido, ou está sendo violado, então, ela está ali por alguma circunstância urgente. 

A escuta é qualificada da mesma forma, mas a dinâmica de atendimento é mais urgente. Nós temos que providenciar uma ação rápida e dar uma resposta dentro de um prazo para algum problema, alguma provocação e necessidade.

Nós temos um atendimento de excelência com profissionais qualificados, tanto os defensores, quanto os assessores jurídicos e servidores. Às vezes, uma pessoa jamais teria condição financeira de ter um advogado tão bom quanto um defensor público. Talvez a pessoa não tenha condições de pagar pelo meu atendimento no setor privado, mas ali ela tem a oportunidade de recebê-lo com encaminhamentos e orientação. 

Toda vez que atuamos em um processo em que uma das partes está conosco e a outra parte constituiu advogado, vemos que colaboramos para a justiça social. Damos paridade de armas para as pessoas. Se alguém aqui fizer um parecer sobre um caso, esse documento vai ser produzido com o mesmo capricho, a mesma busca por qualidade e a mesma excelência que um psicólogo faria no privado. Digo mais: o fato de as equipes técnicas trabalharem dentro da Defensoria aumenta a eficiência do serviço público. O cidadão que busca a Defensoria sai bem orientado, defendido e resguardado, assim como o cidadão que tem condições de pagar. 

 

Você falou bastante sobre a atuação conjunta da equipe técnica. Como psicólogo, como essa atuação é importante e se diferencia de outros lugares? Na Defensoria, esse contato com outros profissionais ajuda a melhorar o seu trabalho? E, como professor, você leva essa experiência para os(as) estudantes? 

Nós trabalhamos bastante de forma multidisciplinar, em equipes. Na clínica, isso pode ocorrer com profissionais da medicina e da enfermagem, por exemplo. Mas na Defensoria, as discussões dos casos são muito mais próximas. É muito interessante ter o ponto de vista de outros e outras colegas e poder construir ações que vão surtir resultados positivos, seja em um processo ou em um encaminhamento. 

A necessidade desse trabalho multidisciplinar é nítida quando está faltando alguém da equipe e nós nos sentimos até meio órfãos e perdidos – o que falta na minha atuação, o Serviço Social consegue suprir, e o que falta na atuação delas, a gente consegue suprir para entregar um trabalho eficiente e de qualidade. 

Quanto a passar para os meus alunos essas experiências, eu explico que o psicólogo, especialmente no setor público, vai fazer parte de uma equipe. Nenhum de nós vai ter domínio de tudo ou conseguir fazer tudo sozinho. Eu destaco para meus alunos a importância de que cada um no grupo tenha o seu momento para falar, para opinar em todos os casos, porque muitas vezes um colega da equipe multidisciplinar enxerga algo que você não viu. 

E eu não estou pintando uma aquarela perfeita, claro que a gente vai discutir em alguns casos. Às vezes a gente não vai concordar, mas é justamente em uma discordância que surge um movimento que produz uma terceira via, uma outra forma de atuar no caso. A gente precisa, muitas vezes, discordar para chegar a algo que faça mais sentido dentro daquele ponto. 

 

O que você diria para outros colegas, da própria Defensoria e de outras instituições, sobre a importância da equipe técnica, do papel que elas têm dentro da resolução de um caso?

Eu acho que é muito importante, tanto para os meus colegas de profissão, quanto para os colegas e as colegas do Serviço Social e assessores(as), estagiários(as), defensores(as), e para mim, obviamente, que a gente lembre que nós temos recursos humanos. A Defensoria sem a equipe, sem pessoas, sem o usuário, inclusive, é só um prédio, como outro qualquer. O que faz da Defensoria esse fenômeno que é noticiado por aí, com tanto sucesso e tanta qualidade no serviço que a gente vê nas redes, nos jornais e nos sites, são os recursos humanos que nós temos. Cada um de nós tem uma vivência que pode ser aproveitada, inclusive a dos usuários. 

O que eu acho mais gostoso na minha profissão e na minha atuação na Defensoria é conhecer histórias. Às vezes eu sento com um assistido que está com um problema grande e ele me conta toda a situação que o levou a estar naquele momento da vida. Então eu faço o meu trabalho, o devido encaminhamento, e quando a pessoa vai embora eu penso: “mais uma história que eu conheci, mais uma pessoa que eu conheci”. Isso é muito prazeroso. Eu gosto muito de ouvir e contar histórias, acho que é como a leitura, é viver mil vidas dentro de uma. A gente está lidando com o ser humano. Cada um de nós, para o bem ou para o mal, é único no universo. A lei fria, ali, preto no branco, é dura, mas as pessoas estão para além disso. 

 

Gostaria que você contasse um caso que te marcou. 

Os casos que mexem bastante comigo são os casos de crianças acolhidas. Tem uma instituição na nossa comarca que acolhe crianças e adolescentes e nós vamos frequentemente até lá para conversar com as equipes técnicas e fazer a fiscalização do serviço, um dos papéis dos defensores. Recentemente, eu cheguei na instituição e uma menininha bem pequena, de uns dois anos, começou a gritar “tio, tio”. Eu dei um tchauzinho e fui conversar com a equipe técnica, mas quando eu estava quase indo embora, ela veio, abraçou a minha perna, me pediu colo e começou a brincar com a minha barba e apertar a minha bochecha. Eu deixei um pouquinho e já desci ela do meu colo, porque eu estava lá a trabalho. Mas aquilo mexeu muito comigo, porque fiquei pensando que não tem como negar essa atenção porque, pelo menos por alguns segundos, ela vai poder brincar comigo. Eu tenho uma sobrinha pequena, minha afilhada, e ela brinca comigo da forma que ela quer. Então, por que não posso, pelo menos um pouco, brincar e levar isso para essa menininha, também? Fiquei pensando o quanto isso é desigual. As consequências da desigualdade na infância são de difícil mudança.

 

Como psicólogo deve ser difícil lidar com essas situações. Como você faz para isso não afetar tanto a sua vida pessoal? 

Terapia. O psicólogo também faz terapia. Para todo mundo - especialmente em profissões como as nossas, que lidam bastante com essa situação de vulnerabilidade - eu digo: terapia e muito autocuidado, também; fazer coisas que dão prazer. 

Nós somos seres humanos trabalhando com outros seres humanos e não tem situação mais humana do que uma situação que precisou virar um litígio. Existem  também as situações complexas, em que temos que produzir uma defesa técnica bem feita, em uma situação onde a nossa opinião pessoal sobre o caso é diferente. Por isso, no final de semana, eu não quero pensar em trabalho, quero sair, fazer algo legal, comer ou cozinhar alguma coisa diferente, passar um tempo com a minha família. Leituras, filmes e séries legais também são algo muito bom.

 

O que você gosta de ler e assistir? Gosta de ouvir música de que tipo? Como é o seu período de lazer? 

Eu gosto mais de assistir a filmes de fantasia como, por exemplo, O Senhor dos Anéis. Eu sou uma pessoa bem nerd, eu jogo Magic The Gathering, gosto de jogos online, de ler José Saramago - acabei de terminar de ler o livro “Intermitências da Morte”, é muito bom! - e de ler livros de História. Eu também sou professor de História da Psicologia e eu gosto muito da Revolução Federalista, que aconteceu aqui no sul do país. Gosto muito de história do Paraná e de história mundial, porque gosto de conhecer coisas que não são da minha área. 

Eu gosto muito de ler Tabajara Ruas, sou fã dele. Ele é um escritor gaúcho que escreve sobre as guerras e as revoluções, as revoltas aqui do sul - escreveu sobre o Gumercindo Saraiva, um personagem da Revolução Federalista. E gosto de ler a poesia de Mário Quintana. Mas se eu fosse recomendar alguma coisa “diferentona” para alguém ler, seria o Tabajara Ruas. 

Também sou leitor de curiosidades, de recordes, histórias inusitadas... Sempre gostei disso. Eu também gosto de viajar, viajei para onde os meus bisavós nasceram, casaram e tiveram filhos em Portugal, antes de imigrar pro Brasil. Gosto de museus, passo facilmente uma tarde no museu! Em relação à música, eu sou bem eclético, mas eu sou bastante fã de rock.

 

Retomando a sua carreira como pesquisador, você tem alguns estudos sobre envelhecimento humano. De onde surgiu esse interesse? Você aplica ele de alguma forma ou tem vontade de aplicar no seu trabalho na Defensoria?

Eu sou um menino criado com a avó, ainda tenho os meus avós vivos. Infelizmente não tenho mais minha mãe, ela faleceu um pouco depois que eu me formei na faculdade, mas eu conheci duas bisavós minhas e eu sempre estive muito presente em casa de vó. A minha tia-avó era vizinha da minha avó, então eu sempre estive junto de pessoas idosas. E no primeiro ano de faculdade, eu tive contato com um professor da Unesp que foi meu orientador, o professor doutor Edivaldo Soares, que hoje é meu amigo pessoal. Ele é filósofo e neurocientista e me convidou para participar de um projeto nos asilos de Marília. Eu comecei a fazer visitas aos asilos e adorei. Não sei se vocês já foram a um asilo fazer visita: é uma experiência de vida, eu aprendi tanta coisa. Esse interesse vem da minha boa convivência com idosos. Na verdade, eu acho que eu tenho uma alma até um pouco idosa, gosto de sentar, comer um negocinho e conversar sobre a vida.

Na Defensoria, quando chega um idoso para conversar comigo, eu até reservo um tempo a mais. Porque eu quero saber onde essa pessoa mora, se tem filhos, netos... Se você senta com uma pessoa mais idosa e dá um espaço para que ela fale um pouco, você vai conseguir absorver uma experiência de vivência, de dores e de alegrias que você pode importar para a sua vida. 

 

Ultimamente, os casos de violência na escola têm aumentado, e a Defensoria, principalmente no interior, tem desempenhado um papel importante de acolhimento dos casos, ou então de educação em direitos, com palestras e projetos. Como você analisa a questão? 

Aqui em Cornélio Procópio, o CAM inteiro tem trabalhado, nos últimos anos, inclusive durante a pandemia de forma online, em um projeto de educação em direito nas escolas da região. A gente já falava de racismo, violência, machismo, transfobia e homofobia com os jovens, sobre o bullying e seus perigos, de uma forma muito educativa, mostrando, por exemplo, que cada pessoa pode ter um ponto de vista diferente sobre uma questão, e que o diálogo é importante. 

É importante que a Defensoria, com as ferramentas que ela tem, esteja mais próxima das escolas e dos adolescentes. Por exemplo, eu me lembro de uma discussão que a gente fez, ainda antes da pandemia, no Colégio Castro Alves, com adolescentes que estavam no terceiro ano do ensino médio, sobre tipos de violência, e um deles levantou uma questão sobre violência sexual. Com o preparo profissional adequado e linguagem apropriada, nós conversamos com eles sobre esse tipo de violência e ficou muito claro que, às vezes, eles só precisam que alguém fale sobre o assunto. Muitos dos meninos depois vieram depois vieram nos falar que nunca tinham pensado nisso, porque a gente falou sobre o estupro conjugal.

 

Muito obrigada pela entrevista. Você acha que ficou faltando destacar alguma coisa que é interessante da sua prática na Defensoria?

Eu gostaria de destacar que eu me orgulho de estar na Defensoria porque eu me orgulho em servir o meu estado. Como eu disse, eu tenho muito orgulho de ser paranaense. Eu me orgulho de ser pé vermelho aqui do interior e de estar em uma instituição tão importante quanto a Defensoria, que é tão importante para o cidadão.

O Viktor Frankl, um médico e, de certa forma, psicólogo judeu que esteve preso em um campo de concentração, falava assim: “eu encontrei o significado da minha vida ajudando os outros a encontrarem o sentido de suas vidas”. E isso é muito bonito. Parafraseando-o, eu encontrei um sentido na minha vida sabendo que, todos os dias, os meus esforços contribuem para a construção de uma sociedade mais justa, uma sociedade mais igualitária, pela busca da equidade, da justiça social, do acesso à justiça e do tratamento digno das pessoas. Eu encontrei um sentido na minha vida profissional, na minha vida pessoal, servindo o povo na Defensoria. 

Muitos assistidos que vêm com frequências até a Defensoria, que possuem muitos casos para resolver aqui, são mais Defensoria do que nós. Gosto de pensar que eu passei por São José dos Pinhais, estou aqui em Cornélio Procópio e pode ser que amanhã esteja em outro lugar, mas a Defensoria é do povo. 

Isso tem que ficar bem marcado: a gente tem que deixar o povo ocupar esse espaço.