Com a palavra, a Defensoria: Entrevista com Denise Paczkoski, assessora jurídica em Guarapuava 27/09/2024 - 16:03
Das salas de aulas, recreações, aos campeonatos mundiais de xadrez realizando tradução simultânea, hoje, Denise Paczkoski, atua frente a frente com a realidade de centenas de usuários e usuárias da Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR) em privação de liberdade em Guarapuava.
Apesar de ter optado pela carreira do ensino da língua inglesa durante anos, a curitibana não conseguiu fugir daquilo que esteve presente em toda a sua vida: o Direito. Em meio às papeladas de processos e despachos do pai, Álvaro Floriano Paczkoski, desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR), ela “viveu o Direito” desde a infância.
Após 15 anos atuando como professora, mudou para o Direito e se apaixonou pela área de Execução Penal. No Patronato Municipal, antes mesmo da existência da Defensoria no Paraná, a assessora já se envolveu com a prática jurídica na área e com as histórias das pessoas privadas de liberdade e de suas famílias. Para ela, a família é punida junto com o ente querido.
Denise é realista quanto à realidade da população carcerária e, até mesmo, se distancia dos filmes e das séries que ficcionalizam a vida no cárcere. Ela compreende e leva em consideração que sua realidade é muito diferente daquelas pessoas que sentam em sua mesa para serem atendidas no dia a dia.
Servidora na DPE-PR desde 2012, a assessora jurídica Denise Paczkoski é a entrevistada deste mês do projeto “Com a Palavra, a Defensoria”.
Como foi o seu caminho até chegar ao Direito?
Eu sou natural de Curitiba e morei até meus cinco anos na cidade. Em razão da carreira do meu pai, começamos a viajar para as comarcas do interior. Nós nos mudamos para o norte velho, onde moramos em várias cidades. No fim, ficamos em Guarapuava. Na minha família, somos quatro irmãs, duas escolheram ficar aqui e as outras duas em Curitiba. Minha mãe segue aqui, mas meu pai alterna entre as cidades. Ele não consegue largar Curitiba e nem o Sistema de Justiça.
Influenciada pela profissão do meu pai, desde criança eu vivia ali no meio de montes e montes de processos e vendo ele despachar. Sempre quis e gostei do Direito. As pessoas sempre falam sobre a experiência na profissão, a minha experiência é de vida mesmo. Eu vivi o Direito desde a infância.
Só que o Direito é a minha segunda faculdade. Quando eu tinha 14 anos e nós morávamos em Guarapuava, meus pais não queriam que eu fosse morar em Curitiba com os meus avós para cursar a faculdade. Aqui, só existiam esses cursos voltados à filosofia e à pedagogia. Fiz a faculdade de Letras Português-Inglês.
Lecionei durante bastante tempo, quase 15 anos. Parei de trabalhar com língua inglesa em 2005, quando eu estava no último ano da faculdade de Direito.
Você se formou em Direito quando ainda não existia a Defensoria no Paraná. Como foi esse período até chegar na instituição?
Em 2006, fiz a EMAP [Escola da Magistratura do Paraná]. Quando estava terminando a EMAP, recebi um convite da juíza e diretora do fórum aqui em Guarapuava para trabalhar junto aos órgãos da execução, onde ingressei em 2007.
Pouco a pouco fui me aproximando da Execução Penal. Nosso trabalho é assegurar os direitos daqueles que estão privados de liberdade, e isso para mim é apaixonante. A gente não trabalha com o crime cometido, mas, sim, com a pessoa e com o direito que ela já tem previsto em lei e na Constituição.
Fiz o primeiro concurso da Defensoria Pública que teve. Na verdade, era um teste seletivo em 2012 que era para Assessor de Estabelecimento Penal. Eu passei e assumi o trabalho em uma das penitenciárias de regime semi-aberto, que atualmente foi fechada e agora é a Penitenciária Estadual de Guarapuava. Depois, quando abriram as inscrições do concurso para assessor jurídico, eu fiz. Eu passei e, em 2016, entrei como assessora.
Fale mais sobre o seu pai.
Meu pai é Álvaro Floriano Paczkoski. Depois de anos como magistrado, ele se aposentou e o Tribunal [de Justiça do Estado do Paraná] o convidou para integrar o CEJUSC [Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania] de segundo grau. Ele entrou logo na criação, há uns 12 anos. Foi um dos 10 primeiros magistrados a ocupar a posição no CEJUSC e foi quem fez a primeira conciliação no Paraná.
Está lá até hoje, aos 86 anos, trabalhando como conciliador. Das quatro filhas, apenas uma não é da área do Direito. Todas se inspiraram no meu pai, um exemplo. O trabalho dele também me inspira na Defensoria.
Por que só anos depois de atuar como professora você mudou para esta carreira?
Sempre me realizei como professora, adorava dar aula de inglês. Eu tenho, na área da língua inglesa, mestrado em língua inglesa e tenho os diplomas de proficiência das Universidades de Michigan e de Cambridge. Fui até convidada para lecionar numa escola de Manhattan. Inclusive, em Guarapuava, fiz a comunicação com 38 países e a tradução simultânea em dois mundiais de xadrez realizados.
Mesmo assim, o Direito sempre esteve comigo. Como sou apegada à família, continuei aqui, até que o curso de Direito veio para cá no Centro Universitário Campo Real e a Faculdade de Guarapuava. Foi aí que eu decidi.
Eu adoro o que eu faço, é algo que me dá prazer. Enquanto trabalhava no Conselho da Comunidade, por sete anos, trabalhei também voluntariamente na Execução Penal. O mesmo trabalho que faço pela Defensoria Pública, mas, na época, sem a equipe e a estrutura da instituição. A satisfação que me dava em conseguir resolver as coisas sempre foi imensa.
E como você foi parar nesses torneios mundiais de xadrez?
Foi quando fiz concurso para a prefeitura, ainda na época de professora. Fiquei lotada na Casa da Cultura, porque bem no ano que entrei, a Secretaria tinha planejado e conseguido que Guarapuava sediasse o campeonato mundial de xadrez. Fui chamada para fazer a comunicação por falar inglês e espanhol. E ainda não ganhei mais para isso, só tive mais trabalho. Fiz toda a confirmação com os países, reserva de hotel e quando eles chegaram, fiz a tradução simultânea. Não ficava parada, indo e vindo com as equipes.
Ao longo desse tempo, quais histórias mais te marcaram? Você falou das famílias e dos egressos, pessoas que buscaram uma nova perspectiva de vida.
Tiveram situações de pessoas que consegui acompanhar todo o processo de ressocialização e como eles estão hoje em dia. Eu encontro muitas vezes pessoas na cidade e você vê aquelas que realmente ressocializaram. Teve uma situação em que deixei meu carro estacionado em uma feira, um parque de exposições daqui, e ficou destrancado. Estava cheio de coisas.
Apareceu um anúncio no evento sinalizando que o carro estava com a janela aberta. Cheguei lá, o rapaz do lado olhou para mim e falou: “fui eu que pedi pra avisar, viu, doutora? Tô cuidando de tudo direitinho, ninguém mexeu”. Era uma pessoa que eu tinha atendido na Execução Penal. São coisas que marcam, porque eles sabem exatamente quem trabalha com eles e essa foi uma maneira dele demonstrar a sua gratidão.
Você falou uma frase que é muito impactante que é a questão de que as famílias cumprem pena junto. Ao longo desse tempo eu queria saber como foi o teu contato com mães, esposas, esposos, filhos que eventualmente buscam a Defensoria.
Na verdade, a gente tem que ter um suporte. Digo suporte psicológico para saber o que falar sem machucar a pessoa, mas deixá-la a par da situação de quem cumpre pena. Muitas vezes, a pessoa nem sabe porquê aquela pessoa foi presa. Precisa ter um jogo de cintura para saber quais palavras usar. Muitas vezes têm mães que choram durante os atendimentos porque sentem pelo filho estar preso.
Já houve um caso em que o casal foi preso e separado dentro da cadeia. Acho que eles já estavam separados há uns 15 ou 20 dias. Quando fiz o atendimento dele, pedi para chamar a esposa para que eles pudessem se ver. Foi uma cena bem emocionante. Eu disse que podia chegar perto do marido dela, que podia abraçá-lo.
Como você vê essa questão da luta para que não exista uma visão estigmatizada das pessoas que estão lá? Isso parece muito importante para você.
No meu trabalho na Defensoria Pública, busco tratar as pessoas encarceradas como pessoas, independentemente do que elas fizeram, sem julgamentos. A pena que ela tem que cumprir já está sendo cumprida. Se ela já foi condenada, não sou eu que vou condená-la de novo.
Como é a tua relação com a sua família hoje?
Tenho seis sobrinhos, que considero filhos. Meu relacionamento é muito bom com eles. São todos bem apegados comigo e eu, com eles. Toda semana um deles está comigo. Com as minhas irmãs também me dou muito bem. Hoje, moro com a minha mãe.
E quais são os teus hobbies hoje em dia?
Eu sou “rata de academia”. Vou para a academia todo dia e brinco muito no sentido de que eu já não sou mais menina. Depois que me aposentar, quem sabe ainda viro “instagramer”. Tirando isso, fico bastante com os meus sobrinhos, brincando. Quando tem prova, estudo com eles.
Queria saber como é que é a tua perspectiva de trabalho na Defensoria, se você se vê se aposentando na Defensoria?
Eu brinco com aposentadoria, mas falo para o pessoal que eles vão ter que me aguentar até eu sair na aposentadoria compulsória. Não consigo parar. A equipe aqui é bem mais nova, daqui a pouco eles me alcançam, e eu estou aqui ainda. Sou muito ativa, então não consigo me ver sem fazer nada. Gosto do que faço aqui, gosto mesmo.
O que você gosta de ler no tempo livre fora da Defensoria?
Eu gosto de livros positivos. Adoro o livro “O Segredo”, acho ótimo e cada vez que leio tenho uma visão nova. Mas leio um pouco de tudo. Agora estou fazendo outra pós, porque sempre quero fazer algo novo. Estou fazendo uma pós em Tribunal do Júri. Ao longo dos anos, já atuei em 45 júris. Mas algumas coisas mudaram, então decidi me atualizar.
Sobre o seu gosto em ler livros positivos, você acha que isso tem a ver com um contraste da realidade dura que é o trabalho da Defensoria?
Pode ser. Nunca tinha pensado nesse aspecto, mas pode ser. A gente recebe muita carga negativa. Querendo ou não, a gente carrega um pouco disso. Vou para a academia depois e fico aliviada. Então acabo direcionando a leitura para uma coisa mais leve.
Também não gosto de assistir filmes e séries que tenham cadeia, por exemplo. Já vejo isso direto, por quê vou querer ver isso no filme? Filme é distração, e isso é trabalho. E aí eu já fico brava quando a representação é equivocada, muito diferente da realidade.
Como é que você vê hoje a Defensoria Pública e como é que você vê o crescimento da instituição?
A Defensoria é uma instituição mais do que necessária para o acesso à justiça. Com esses acordos extrajudiciais, o crescimento com esses novos concursos, a gente vai conseguir abranger muito mais comarcas e atender muitas pessoas. Eu quero e espero que o nosso acesso nos fóruns com juízes e promotores seja realmente de forma triangular, de forma equilátera e igual. Nós precisamos mostrar que estamos aqui também. E acho que com o caminhar da Defensoria isso tende a acontecer. É isso que eu espero.