Profissionais da Defensoria Pública do Paraná avaliam desafios para erradicar a cultura do estupro no país 08/03/2023 - 14:45

Uma pesquisa divulgada na última semana pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) estimou que ocorrem em média, no Brasil, 822 mil estupros por ano. Isso significa que o país enfrenta uma epidemia de violência sexual, com a ocorrência de um estupro a cada dois minutos. O estudo usa 2019 como ano de referência. O Instituto fez uma análise conjunta da Pesquisa Nacional da Saúde (PNS/IBGE) e de dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde para chegar até essa estimativa. De acordo com o Instituto, foi calculada a taxa de atrito, que é a proporção dos casos estimados de estupro que não são identificados nem pela polícia nem pelo sistema de saúde. A conclusão é de que, dos 822 mil casos registrados por ano, apenas 8,5% chegam ao conhecimento da polícia, e 4,2% são identificados pelo sistema de saúde. No Paraná, estima-se que ocorram 26 mil estupros por ano. 

Diante desse cenário ameaçador que assombra as mulheres diariamente no país, a coordenadora do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (NUDEM) da Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR), defensora pública Mariana Martins Nunes, e a psicóloga que atua no posto avançado da instituição na Casa da Mulher Brasileira de Curitiba, Jéssica Mendes, fizeram uma análise a respeito dos desafios para combater esse crime.   

“A violência sexual contra a mulher reflete a objetificação dos corpos e da existência das mulheres. É sobre o lugar histórico e cultural destinado à mulher e ao processo de assujeitamento a que ela é submetida de forma compulsória e violenta. Por isso, a primeira responsabilidade de qualquer política voltada ao atendimento das mulheres é compreender esse contexto”, explicou a psicóloga. De acordo com ela, embora a violência de gênero seja vivenciada de forma individual, trata-se de um problema estrutural que afeta as mulheres como um todo. “Isso ocorre independentemente de características pessoais da vítima ou do agressor, e retratam uma sociedade colonizada sob a violência”, ressaltou. 

Para a defensora pública Mariana Nunes, é necessário um ciclo longo e permanente de investimento em políticas públicas consistentes para enfrentamento da violência contra as mulheres. “Isso pressupõe a existência de recursos materiais e humanos investidos em programas diversos e articulados entre o sistemas de Saúde, Assistência Social, Segurança Pública, Justiça, Educação, entre outros. É preciso haver o compromisso de todos, setor público e privado, na desconstrução dos padrões estereotipados de gênero, com a promoção de campanhas educativas voltadas ao público escolar e à sociedade em geral”, avaliou ela. 

A defensora lembrou que os números nos últimos anos podem ter como causa alguns fatores. Segundo ela, houve um desmonte das políticas de enfrentamento da violência contra as mulheres. “Houve uma paralisação do financiamento dessas políticas nos últimos quatro anos e uma baixa execução orçamentária para ações específicas – fato demonstrado, inclusive, pelo relatório do IPEA”, comentou. 

Na opinião da defensora, os ataques sistemáticos aos direitos das mulheres, conduzidas por uma narrativa patriarcal e misógina, contribuem para reafirmar as desigualdades entre homens e mulheres, o que legitima todo tipo de violência. “Esses ataques, realizados por movimentos ultraconservadores na última década, ganharam uma proporção devastadora ao serem institucionalizados nos últimos quatro anos", lembrou.

A psicóloga da DPE-PR na Casa da Mulher Brasileira em Curitiba ponderou também que alcançar a dimensão da violência de gênero é imprescindível para que se compreenda a extensão dessa experiência na vida de cada mulher sistematicamente violada. “É nesse cenário macro, regido por uma cultura que desumaniza as mulheres, que elas acabam reduzidas a mero produto a ser consumido. Para mudar essa realidade, além de atuar com foco no cuidado e na proteção das vítimas, as políticas públicas devem ser capazes de provocar rupturas no cerne do problema”, comentou Mendes. Ela destacou também que o enfrentamento da violência sexual contra as mulheres passa pelo combate intransigente à cultura do estupro. “Os padrões comportamentais relativos aos gêneros silenciam, relativizam e banalizam essa forma de violência praticada principalmente contra mulheres e meninas”, disse. 

De acordo com a psicóloga, os valores culturais normalizam a objetificação, a violação e a subjugação dos corpos femininos. Por isso, refletiu ainda, é necessário que a educação encontre novos referenciais para as relações de gênero. “É imprescindível que, desde muito cedo, as crianças ouçam e falem sobre consentimento, autonomia de vontade, direitos, entre outros temas. A reformulação da Educação, em seu caráter preventivo, somada ao fortalecimento e incremento de políticas públicas interseccionais, representam as principais vias para a transformação dessa realidade social”, concluiu.